Cleodelice Aparecida Zonato Fante *
Na
atualidade, um dos temas que vem despertando cada vez mais, o interesse de
profissionais das áreas de educação e saúde, em todo o mundo, é sem dúvida, o
do bullying escolar. Termo encontrado na literatura psicológica
anglo-saxônica, que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, em
estudos sobre o problema da violência escolar.
Sem
termo equivalente na língua portuguesa, define-se universalmente como “um
conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou
mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Insultos,
intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações que magoam
profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam,
ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além
de danos físicos, psíquicos, morais e materiais, são algumas das manifestações
do comportamento bullying.
O bullying
é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa
confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de
apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a
propriedade de causar “traumas” ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos.
Possui ainda a propriedade de ser reconhecido em vários outros contextos, além
do escolar: nas famílias, nas forças armadas, nos locais de trabalho
(denominado de assédio moral), nos asilos de idosos, nas prisões, nos
condomínios residenciais, enfim onde existem relações interpessoais.
Estudiosos
do comportamento bullying entre escolares identificam e classificam
assim os tipos de papéis sociais desempenhados pelos seus protagonistas:
“vítima típica”, como aquele que serve de bode expiatório para um grupo;
“vítima provocadora”, como aquele que provoca determinadas reações contra as
quais não possui habilidades para lidar; “vítima agressora”, como aquele que
reproduz os maus-tratos sofridos; “agressor”, aquele que vitimiza os mais
fracos; “espectador”, aquele que presencia os maus-tratos, porém não o sofre
diretamente e nem o pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente a sua
estimulação psicossocial.
Trata-se
de um problema mundial, encontrado em todas as escolas, que vem se disseminado
largamente nos últimos anos e que só recentemente vem sendo estudado em nosso
país. Em todo o mundo, as taxas de prevalência de bullying, revelam que
entre 5% a 35% dos alunos estão envolvidos no fenômeno. No Brasil, através de
pesquisas que realizamos, inicialmente no interior do estado de São Paulo, em
estabelecimentos de ensino públicos e privados, com um universo de 1.761
alunos, comprovamos que 49% dos alunos estavam envolvidos no fenômeno. Desses,
22% figuravam como “vítimas”; 15% como “agressores” e 12% como “vítimas-agressoras”.
Segundo
especialistas, as causas desse tipo de comportamento abusivo são inúmeras e
variadas. Deve-se à carência afetiva, à ausência de limites e ao modo de
afirmação de poder e de autoridade dos pais sobre os filhos, por meio de
“práticas educativas” que incluem maus-tratos físicos e explosões emocionais
violentas. Em nossos estudos constatamos que 80% daqueles classificados como
“agressores”, atribuíram como causa principal do seu comportamento, a
necessidade de reproduzir contra outros os maus-tratos sofridos em casa ou na
escola. Em decorrência desse dado extremamente relevante, nos motivamos em
pesquisas e estudos, que nos possibilitou identificar a existência de uma
doença psicossocial expansiva, desencadeadora de um conjunto de sinais e sintomas,
a qual denominamos SMAR - Síndrome de Maus-tratos Repetitivos.
O
portador dessa síndrome possui necessidade de dominar, de subjugar e de impor
sua autoridade sobre outrem, mediante coação; necessidade de aceitação e de
pertencimento a um grupo; de auto-afirmação, de chamar a atenção para si.
Possui ainda, a inabilidade de expressar seus sentimentos mais íntimos, de se
colocar no lugar do outro e de perceber suas dores e sentimentos.
Esta
Síndrome apresenta rica sintomatologia: irritabilidade, agressividade,
impulsividade, intolerância, tensão, explosões emocionais, raiva reprimida,
depressão, stress, sintomas psicossomáticos, alteração do humor, pensamentos
suicidas. É oriunda do modelo educativo predominante introjetado pela criança
na primeira infância. Sendo repetidamente exposta a estímulos agressivos,
aversivos ao seu psiquismo, a criança os introjeta inconscientemente ao seu
repertório comportamental e transforma-se posteriormente em uma dinâmica
psíquica “mandante” de suas ações e reações. Dessa forma, se tornará
predisposta a reproduzir a agressividade sofrida ou a reprimi-la,
comprometendo, assim, seu processo de desenvolvimento social.
As
conseqüências para as “vítimas” desse fenômeno são graves e abrangentes,
promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de
concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão
escolar. No âmbito da saúde física e emocional, a baixa na resistência
imunológica e na auto-estima, o stress, os sintomas psicossomáticos, transtornos
psicológicos, a depressão e o suicídio.
Para
os “agressores”, ocorre o distanciamento e a falta de adaptação aos objetivos
escolares, a supervalorização da violência como forma de obtenção de poder, o
desenvolvimento de habilidades para futuras condutas delituosas, além da
projeção de condutas violentas na vida adulta. Para os “espectadores”, que é a
maioria dos alunos, estes podem sentir insegurança, ansiedade, medo e estresse,
comprometendo o seu processo socioeducacional.
Este
fenômeno comportamental atinge a área mais preciosa, íntima e inviolável do
ser, a sua alma. Envolve e vitimiza a criança, na tenra idade escolar,
tornando-a refém de ansiedade e de emoções, que interferem negativamente nos
seus processos de aprendizagem devido à excessiva mobilização de
emoções
de medo, de angústia e de raiva reprimida. A forte carga emocional traumática
da experiência vivenciada, registrada em seus arquivos de memória, poderá
aprisionar sua mente a construções inconscientes de cadeias de pensamentos
desorganizados, que interferirão no desenvolvimento da sua autopercepção e
auto-estima, comprometendo sua capacidade de auto-superação na vida.
Dependendo
do grau de sofrimento vivido pela criança, ela poderá sentir-se ancorada a
construções inconscientes de pensamentos de vingança e de suicídio, ou
manifestar determinados tipos de comportamentos agressivos ou violentos,
prejudiciais a si mesma e à sociedade, isto se não houver intervenção
diagnóstica, preventiva e psicoterápica, além de esforços interdisciplinares
conjugados, por toda a comunidade escolar. Nesse sentido podemos citar as
recentes tragédias ocorridas em escolas, como por exemplo, Columbine (E.U.A.);
Taiuva (SP); Remanso (BA), Carmen de Patagones (ARG) e Red Lake (E.U.A.).
Esta
forma de violência é de difícil identificação por parte dos familiares e da
escola, uma vez que a “vítima” teme denunciar os seus agressores, por medo de
sofrer represálias e por vergonha de admitir que está apanhando ou passando por
situações humilhantes na escola ou, ainda, por acreditar que não lhe darão o
devido crédito. Sua denúncia ecoaria como uma confissão de fraqueza ou
impotência de defesa. Os “agressores” se valem da “lei do silêncio” e do terror
que impõem às suas “vítimas”, bem como do receio dos “espectadores”, que temem
se transformarem na “próxima vítima”.
Algumas
iniciativas bem sucedidas vem sendo implantadas em escolas dos mais diversos
países, na tentativa de reduzir esse tipo de comportamento. De forma pioneira
no país, implantamos um programa antibullying, denominado de “Programa Educar
para a Paz”, por nós elaborado e desenvolvido, em uma escola de São José do Rio
Preto. Como resultado, obtivemos índices significativos de redução do
comportamento agressivo e expressiva melhora nas relações entre alunos e professores,
além de melhorias no desempenho escolar. O resultado das pesquisas iniciais,
que detectava em torno de 26% de vitimização, já no segundo semestre de
implantação do programa caiu para 10%; e após dois anos, o resultado mostrava
que havíamos chegado a patamares toleráveis, com índices de apenas 4% de
vitimização.
O
“Programa Educar par a Paz”, pode ser definido como um conjunto de estratégias
psicopedagógicas que se fundamenta sobre princípios de solidariedade,
tolerância e respeito às diferenças. Recebeu esse nome por acreditarmos que a
paz é o maior anseio das crianças envolvidas no fenômeno, bem como de toda a
sociedade. Envolve toda a comunidade escolar, inclusive os pais e a comunidade
onde a escola está inserida. As estratégias do programa incluem o trabalho
individualizado com o envolvidos em bullying – visando à inclusão e o
fortalecimento da auto-estima das “vítimas” e a canalização da agressividade do
“agressor” em ações pro-ativas – bem como o envolvimento de toda escola, pais e
a comunidade em geral.
Grupos
de “alunos solidários” atuam como “anjos da guarda” daqueles que apresentam
dificuldades de relacionamento, dentro e fora da escola. Grupos de “pais
solidários” auxiliam nas brincadeiras do recreio dirigido, junto aos “alunos
solidários”. A interiorização de valores humanistas, bem como a discussão de
“situações-problema” de cada grupo-classe, são estratégias que visam a educação
das emoções, sendo desenvolvidas semanalmente, durante o encontro entre os
tutores e suas turmas. Ações solidárias em prol de instituições filantrópicas
são objetivos comuns a serem alcançados pela escola e comunidade.
Acreditamos
que se existe uma cultura de violência, que se dissemina entre as pessoas,
podemos disseminar uma contracultura de paz. Se conseguirmos plantar nos
corações das crianças as sementes da paz – solidariedade, tolerância, respeito
ao outro e o amor -, poderemos vislumbrar uma sociedade mais equilibrada, justa
e pacífica. Construir um mundo de paz é possível, para isso, deve-se
primeiramente construí-lo dentro de cada um de nós.
O
Programa Educar para a Paz, vem sendo implantado em inúmeras escolas de todo o
país, por ser de fácil adaptação à realidade escolar e por apresentar
resultados, num curto espaço de tempo da sua implantação. Atualmente,
promovemos cursos de formação de multiplicadores do Programa, atendendo tanto à
rede particular de ensino como a pública, além de cursos de pós-graduação, com
fundamentação em Psicanálise e Inteligência Multifocal. Em decorrência do
contato direto com profissionais de educação, detectamos um dado surpreendente:
é expressivo o número de profissionais que foram envolvidos pelo fenômeno
quando estudantes e que trazem consigo suas conseqüências.
Por
constatarmos altos índices de sintomas de stress entre eles, incluímos no
Programa, o cuidado com a saúde emocional e o controle do stress. Acreditamos
que pessoas saudáveis educam, crianças saudáveis. Nossa equipe atua sob
supervisão psicológica e é composta por pedagogos e psicólogos.
* Cleodelice Aparecida Zonato
Fante - Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Ilhas
Baleares, Espanha. Pesquisadora do Bullying Escolar. Autora do Programa Educar
para a Paz. Conferencista. (cleofante@hotmail.com)*
Fenômeno
bullying
Como
prevenir a violência nas escolas e educar para a paz
Cleo
Fante
om uma
proposta de Educar para a Paz, a pesquisadora e educadora brasileira Cleo
Fante, escreveu o livro Fenômeno Bullying, que está
sendo lançado pela VERUS Editora. Em uma edição revisada e atualizada por
recentes pesquisas, o texto apresenta o Bullying como um fenômeno que
vem sendo tema de preocupação e de interesse nos meios educacionais e sociais
em todo o mundo.
Embora
ofereça um panorama mundial sobre o problema, Cleo Fante revela e analisa
pesquisas sobre o Bullying aplicadas entre alunos e destaca a realidade vivida
hoje no Brasil, apresentando um programa inédito e extremamente prático a
ser utilizado nas escolas, que já vem sendo desenvolvido,com sucesso, em
alguns estabelecimentos de ensino, com. O livro Fenômeno Bullying
tem como objetivo despertar autoridades educacionais, educadores, pais, alunos
e a sociedade em geral para o assunto, muitas vezes encoberto nas escolas.
Acreditando
que uma nova geração, mais pacífica, é possível, o Programa Educar para a
Paz é fundamentado em valores como a tolerância e a solidariedade, que
devem ser estimulados entre os alunos, através do diálogo. O respeito e
as relações de cooperação também precisam ser valorizados. Para isso é preciso
que haja união e interesse de todos: direção da escola, professores e
comunidade.
Autora
A
brasileira Cleo Fante é educadora, pesquisadora, conferencista, escritora e
doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Ilhas Baleares,
Espanha.
Desde 2000
vem pesquisando a questão da violência nas escolas, dedicando-se especialmente
ao estudo do fenômeno bullying.
Apaixonada
pela causa da educação e consciente de que é nos primeiros anos escolares que
podem surgir os traumas que se originam na violência sofrida tanto em casa como
na escola, a autora enfatiza a necessidade de resgatar a saúde emocional da
criança o mais cedo possível. Foi assim que, propondo-se um trabalho voluntário
nas escolas, idealizou o programa Educar para a Paz – projeto inteligente,
criativo e eficaz, já aplicado em algumas escolas e altamente recomendado em
razão dos excelentes e animadores resultados. Atualmente coordena um curso de
pós-graduação em fenômeno bullying com abordagem psicanalítica na
prevenção da violência escolar, ministra cursos de capacitação para uma
educação voltada para a paz e palestras e conferências sobre o fenômeno bullying,
além de escrever artigos para veículos diversos.
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